“Eu não dou de barato que o Eduardo é candidato”, diz Lula

 (Luludi/Esp.CB)

Em entrevista exclusiva concedida ao Correio Braziliense, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirma que Marina Silva tem o direito de ser candidata à Presidência. Porém, o líder histórico do PT afirma que, caso o projeto da ex-colega de partido dê errado, é necessário brigar pelos votos que ela receberia.

Além disso, Lula também falou sobre temas sensíveis, como a reforma política e a divisão interna do Partido dos Trabalhadores.

Veja alguns pontos da entrevista:

Deixar de ser presidente trouxe alívio ou pesar?

Não é fácil falar sobre isso. Eu achava que seria simples deixar a Presidência. O (João) Figueiredo, que saiu pela porta dos fundos, até pediu para ser esquecido. Quando a pessoa não sai bem, quer esquecer mesmo. Mas eu saí no momento mais auspicioso da vida de um governante. Eu brincava com o Franklin (Martins): se eu ficar mais alguns meses, vou ultrapassar os 100% de aprovação. Foi como se me desligassem de uma tomada. Num dia você é rei, no outro dia não é nada. Depois de entregar o cargo, cheguei a São Bernardo e havia um comício, organizado por amigos e pessoas do sindicato. O Sarney me acompanhou. Antes, visitei o Zé Alencar, choramos juntos. Eu fiquei danado da vida porque achava que ele devia ter ido à posse e subido a rampa de maca, mas os médicos não deixaram. Participei do comício e quando deu 11 horas da noite eu subi para o apartamento. Ao me despedir dos que trabalharam comigo na segurança e voltariam a Brasília, o general me disse: “Olha presidente, daqui a três dias os celulares da Presidência serão desligados e os carros serão recolhidos”. Mas levaram apenas três minutos para me desconectarem. Este é o lado hilário da coisa. Mas ser ex-presidente é um aprendizado sobre como se comportar, evitando interferir no novo governo. Quem sai precisa limpar a cabeça, assimilar que não é mais presidente. Mas é difícil sair de um dia a dia alucinante, acordar de manhã e perguntar: e agora?

Mesmo com eventuais “Volta Lula”, com manifestações, crises?

Mesmo. Hoje há pessoas defendendo o fim da reeleição. Eu sempre fui contra a reeleição mas hoje posso dizer que ela é um beneficio, uma das poucas coisas boas que copiamos dos americanos. Em quatro anos, você não consegue realizar uma única obra estruturante no pais. Depois, o eleitor pode julgar o governante no meio do período. Bush pai não se reelegeu, Carter não se reelegeu. Mas foi bom para os Estados Unidos o Clinton ter governado oito anos.

Deixar o poder traz mais liberdade?

Eu nunca tive liberdade, nem antes nem depois. Fiquei oito anos em Brasília sem ir a um restaurante, a um aniversario, a um casamento, porque tinha medo daquele mundo futriqueiro de Brasília. Mesmo hoje, prefiro passar o final de semana em casa, de bermudas.

Na semana passada, foram criados dois novos partidos políticos, houve um grande troca-troca de deputados, para lá e para cá. Como você vê isso? O fato de você legalizar um partido é o menos importante. Levar 10, 15 deputados, também. Eu quero saber é se na próxima eleição estes partidos passarão pelo teste das urnas.

Marina Silva talvez não consiga registrar o partido dela…

Quando nós fomos construir o PT, as exigências legais eram até maiores. Na primeira eleição, eu achava que seria eleito governador de São Paulo. Eu era uma figura estranha, um metalúrgico, levava muita gente aos comícios. Fiquei em quarto lugar. O Estadão fez uma pesquisa, dizendo que eu tinha 10%. Eu logo xinguei a imprensa burguesa (risos). E eu tive exatamente 10% (risos). Então, essas pessoas que estão criando partidos vão ter de trabalhar muito. E precisamos evitar as legendas de aluguel. Não serei contra, depois de tudo que fiz pela criação do PT. Eu não sei se a Marina vai cumprir as exigências legais. Ela é uma personalidade política do país, tem todo direito de criar um partido. Agora, tem de ter coragem de dizer que é partido, não tem que inventar outro nome, dizer que não é partido, é uma rede. É partido e vai ter deputado, como todo partido. Mas o que vai contar nas eleições de 2014 são os partido existentes, o PT, o PMDB, o PSB, o PSDB e outros mais.

Agora, sem a candidatura de Marina, a disputa presidencial se alteraria, não?

Ela ainda tem tempo. Ela tem de assistir o dia final do julgamento com a ficha de um outro partido do lado. Eu acho que a Marina tem o direito de ser candidata. Marina é um quadro político importante para o país. Caso ela não consiga o partido e não seja candidata, será importante saber para onde irão os votos dela. Ninguém pode perder o pé da realidade do país, achar-se melhor que o Congresso, que lá só tem corrupto, como vejo alguns dizerem.

O senhor mesmo já falou, quando disse que no Congresso havia 300 picaretas…

O Congresso é a cara da sociedade brasileira. Ulysses Guimarães dizia: “Toda vez que a sociedade começa a falar em muita mudança no Congresso, o Congresso piora”. Quase 300, na realidade 280 deputados, foram responsáveis de alguma forma pela absolvição do deputado Natan Donadon em plenário… Veja que eu não errei. O que acontece no Congresso acontece num clube de futebol, acontece no condomínio que a gente mora, na sauna… Você tem gente de qualidade, você tem gente de menos qualidade, gente comprometida com os setores mais à esquerda, gente comprometida com os setores mais à direita. Se as pessoas fossem de direita ou de esquerda era melhor do que serem simplesmente fisiológicas. O que eu acho que mata na política é o fisiologismo. E você não vai acabar com isso. É uma cultura política que está estabelecida no mundo, não é só no Brasil. E não é uma questão nacional, senão a Itália não tinha o Berlusconi.

Mas o senhor defende a reforma política, não é buscando superar estes problemas?

Eu defendo a reforma política mas acho que ela só virá quando tivermos Constituinte própria para fazê-la. O Congresso não vai aprovar. Pode fazer uma mudança aqui, outra ali, mas não uma reforma profunda. Defendo o financiamento público porque eu acho que é a forma mais barata e mais honesta de fazer campanha. Por que os empresários não defendem o financiamento público? Não seria melhor para eles, não ter que dar dinheiro para candidato? Mas eles preferem que os políticos dependam deles. Eu li a biografia do Juscelino, os dois volumes do (Getúlio) Vargas, do Lira Neto (escritor cearense), estou lendo a biografia de Napoleão Bonaparte e a do Padre Cícero. A política é sempre a mesma. Nos Estados Unidos, Abraham Lincoln precisou vencer os mesmo obstáculos. Penso que com partidos mais sérios e valorizados, com mais seriedade nas campanhas, a política irá se qualificando e motivando mais. Eu sempre digo aos jovens: mesmo que você não acredite em mais ninguém, e ache que todos são corruptos, não desista. O político honesto que você procura pode estar dentro de você. Ao invés de negar a política, entre na política.

E a divisão interna dentro do PT, entre lulistas e dilmistas?

Se houver alguém que se diz lulista e não dilmista, eu o dispenso de ser lulista. A Dilma é a presidenta da República e ela representa o PT. Eu não estou pedindo que as pessoas gostem de Dilma. Eu quero que as pessoas a respeitem na função institucional e saibam que o PT está lá para apoiá-la. O povo de Brasília votou no (José Roberto) Arruda porque acreditou que o Arruda ia fazer as mudanças prometidas. Não deu certo. Você vai dizer que o eleitor do Roriz era pior do que o eleitor do Agnelo? Não era. O eleitor vota esperando que as coisas melhorem. Se tivermos agora como candidatos Dilma, Aécio, Eduardo Campos e Marina, o Brasil está qualificado. Todos candidatos de centro-esquerda para a esquerda.

O senhor tentou evitar o rompimento de Eduardo Campos com o governo . Agora que aconteceu, como ficará este relacionamento. Ele pode sair do campo de sua influência, o campo da esquerda?

Eu não tenho influência. Mas eu gostaria que não tivesse acontecido o que aconteceu.

Quem errou?

Não sei, acho que todo mundo errou. E eu posso estar errado também. Pode ser que o governo e o Eduardo estejam certos no rompimento, e eu errado. Mas eu não dou de barato que o Eduardo é candidato. Ele tem potencial? Ele tem estrutura, sabedoria política? Tem. Ele pode ser candidato, como o Aécio, a Marina. Eu só acho que foi um prejuízo para a gente ter o PSB, e sobretudo o Eduardo Campos, do outro lado. Isso aconteceu apenas quando o Garotinho foi candidato contra mim, em 2002. Se ele vai ser candidato, nós temos de ter uma regra de comportamento. Se a eleição não terminar no primeiro turno, poderemos ter aliança no segundo turno. Ma eu não dou de barato que as coisas estão definidas na eleição. Nem para o Eduardo Campos ser candidato, nem para o Aécio ser candidato. Sabe-se lá o que o Serra vai tramar contra o Aécio? Nem para a Marina. Eu acho que a gente tem de ver o seguinte: temos de esperar, até março do próximo ano. São mais seis meses pela frente, até as pessoas anunciarem de fato suas candidaturas. Sei apenas que, entre todos, a Dilma é a que tem mais credenciais e é mais qualificada para governar o Brasil. Eu vou percorrer o Brasil como se eu fosse candidato.

Quase três anos depois de deixar a Presidência, como o senhor gostaria de ser lembrado?

O que me importa é a forma como serei lembrado pelas pessoas. Algo que me marcou foi meu ultimo encontro com os cantadores de material reciclado e moradores de rua de São Paulo. Uma menina, afro-descendente, pegou o microfone e perguntou: “presidente, você sabe o que mudou na minha vida nestes oito anos?” Eu não sabia. E ela disse: “Não foi o dinheiro que eu ganhei, nem as cooperativas que organizei. Foi o direito de andar de cabeça erguida que o senhor me restituiu. Hoje, não tenho vergonha de andar com o carrinho catando papelão na rua. Me sinto tão importante quanto os que passam de carro ao meu lado”. Nada é mais gratificante que isso. Foi o que me inspirou a pedir ao Fernando Morais para tentar fazer uma biografia do meu governo, conversando com quem ele quiser: banqueiro, dono de jornal, metalúrgico, bancário, catador de papel. Ouvir o que as pessoas pensam é mais importante, pois todo mundo tem tendência a falar bem de si mesmo.

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