A fraude na cota de gênero, com a inscrição de candidaturas “laranjas” nas nominatas, fizeram 23 câmaras municipais trocarem quase um quarto dos seus vereadores cassados desde 2020. Segundo levantamento do Globo com base em processos julgados pela Justiça Eleitoral, 206 parlamentares perderam seus mandatos por este motivo no país no período.
Por lei, 30% das vagas das nominatas devem ser destinadas a mulheres, mas a Justiça detectou irregularidades nestas situações, como a presença de mulheres que não fizeram campanha, não tiveram recursos ou que pediram votos para concorrentes no pleito. Nesses casos, os partidos foram punidos e os votos anulados.
Com 17 mil habitantes, Boqueirão (PB) teve oito dos 11 vereadores cassados (cinco do PSD e três do Progressistas) e terá novas eleições em outubro — quando a anulação supera 50% dos votos, novo pleito precisa ser realizado, casos ainda de Mãe D’Água (PB) e Alto Santo (CE).
Em Porto Real do Colégio (AL), oito dos 11 vereadores foram alvos da Justiça, quase todos da mesa diretora. Uma nova eleição interna chegou a ser marcada para esta semana, mas foi suspensa pelo Tribunal de Justiça, mesmo após ação do Ministério Público.
— A Câmara está com as atividades administrativas em ordem, já que a mesa foi recomposta por convite do interino, mas está impedida judicialmente — afirma o procurador responsável pela Câmara, Júnior Magalhães.
A cassação mais recente ocorreu semana passada, em Canópolis (MG). Quatro dos nove vereadores perderam mandatos pela inscrição de candidatura fictícia. Na campanha, o irmão da mulher divulgou um vídeo em que afirma que ela teria dado o nome “para encher o partido”, sem intenção de participar.
Nordeste no topo
Além de abrigar 13 das 23 cidades que sofreram as mudanças mais significativas nas câmaras, o Nordeste lidera o ranking de cassação, com 125 políticos cassados por fraudes de gênero. O Sudeste vem em seguida, com 65, sendo 25 do Rio. Em Silva Jardim, no interior fluminense, o PL perdeu quatro cadeiras na Câmara depois que o TRE-RJ constatou que uma das mulheres inscritas postava material de campanha de terceiros em seu Facebook.
Na Câmara dos Deputados, tramita uma PEC que visa substituir a cota mínima de 30% das candidaturas pela reserva de 15% das cadeiras nas Casas Legislativas para mulheres. A medida desobrigaria os partidos a terem candidatas em suas chapas nas eleições, o que tem gerado críticas por parte de especialistas.
— A garantia de cadeiras seria positiva desde que as outras políticas permanecessem. A substituição permite que partidos possam concorrer sem mulher, competindo pelas demais 85% vagas. É um recuo — diz a advogada Renata Mendonça.