Sertânia está comemorando, neste 24 de maio, 151 de Emancipação Política.
SERTÂNIA: PERFIL HISTÓRICO
Por Ígor Cardoso Do Centro de Estudos de História Municipal (CEHM) e do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP)
Situada às margens do rio Moxotó, em terras da antiga Fazenda Mata, a atual cidade de Sertânia, sede do município de mesmo nome, emergiu do amor da fazendeira Catarina pelo boiadeiro vitoriense Antão, numa das mais belas histórias de amor de que se tem notícia no Sertão pernambucano, e que ainda hoje é exaltada por seus cantadores, poetas e memorialistas.
O processo de ocupação da região, porém, é bem mais antigo, e, segundo o literato Ulysses Lins de Albuquerque – que, em sua clássica trilogia “Moxotó Brabo”, “Três Ribeiras” e “Um Sertanejo e o Sertão”, procedeu a um monumental registro do passado local –, remonta ao século XVII.
A OCUPAÇÃO DO VALE DO MOXOTÓ
As terras da ribeira do Moxotó – em língua nativa: “rio de índios bravios” – foram inicialmente concedidas em sesmaria ao ouvidor Cristóvão de Burgos e Contreiras: cerca de dez léguas, cinco para cada lado do rio, inseridas entre os atuais municípios de Sertânia e Iguaracy. A partir de 1658, porém, novas doações seriam realizadas na região, desrespeitando a original.
Neste ano, os Ávila receberiam outras dez léguas entre os rios Pajeú e Moxotó, que passava a servir de limite aos vastíssimos domínios da Casa da Torre em Pernambuco. Em 1688, nova concessão, desta vez em dois lotes: o primeiro ao norte, entre as cabeceiras, em Sertânia, e o curso médio, doado a João Alves Pereira, Manoel da Cunha Moreno, Amaro Fernandes Tinoco, Manoel Gonçalves e Domingos Fernandes; e o segundo ao sul, até a foz, oferecido a João Peixoto Vilela, João Pereira Campos e João Pereira Pacheco. O primeiro trecho acabaria transmitido à Congregação do Oratório.
Pelos idos de 1750, a família Burgos, sentindo-se prejudicada em seus direitos, obteve do Tribunal da Relação da Bahia decisão favorável à sua propriedade, exigindo a respectiva reintegração de posse. A essa altura, já havia se instalado ali o mestre-de-campo português Pantaleão de Siqueira Barbosa, que, chefiando uma entrada a partir do rio de São Francisco, alcançara a região por volta de 1738.
Pantaleão adquiriu dos oratorianos a Fazenda Poço da Cruz, no atual município de Ibimirim, onde fincou um cruzeiro de madeira e se estabeleceu, fundando a primitiva povoação de Jeritacó, no entorno da capela de Santa Ana – cuja invocação homenageava sua esposa, Ana Leite de Oliveira. A antiga Jeritacó acabaria, porém, submersa quando da construção do Açude Poço da Cruz.
Além do Poço da Cruz, muitos outros currais foram surgindo nos controversos domínios das sesmarias do Moxotó, entre as quais: Poço do Boi, Olho d’Água do Sabá, Gameleira, Manari, Puiú, Quiridalho, Piutá, Pipipã e Cachoeira do Rio São Francisco (Paulo Afonso).
Ainda entre os primeiros povoadores da região, contam-se os irmãos portugueses Manoel Ferreira dos Santos, Amaro Ferreira dos Santos e Raimundo Ferreira de Brito, este casado com Leandra Nunes de Vasconcelos; que igualmente devem ter adquirido a sua Fazenda Mata, nas nascentes do Moxotó, dos oratorianos.
ROMANCE SERTANEJO
Raimundo e Leandra eram os pais de Catarina Ferreira dos Santos, que passaria à história como “uma jovem tão bonita que, de tal formosura, despertava a atenção de quantos andassem por aquelas bandas”. Antão Alves de Souza, boiadeiro natural de Vitória de Santo Antão, foi um desses mancebos enamorados, havendo-se arranchado na região na década de 1780.
Tendo como cenário as paragens sertanejas do lendário Moxotó, o romance que desabrochava não tardaria a resultar em um pedido de casamento, ao qual Raimundo e Leandra, surpreendentemente, não oporiam objeção. Submetido, porém, à apreciação do vigário da freguesia, este, ao averiguar a situação do noivo – humilde e de vida errante, sem pouso fixo –, preferiu não consentir o enlace.
A fim de solucionar a questão, os pais de Catarina, num ato de profunda consideração para com a filha, resolveram oferecer-lhe, a título de antecipação de herança e/ou dote, uma sorte de terras, para que nela os jovens pudessem começar a vida. Ao generoso ato, seguiu-se o ansiado matrimônio, em meio a uma grande festa. E assim, nas palavras do saudoso memorialista Raimundo Sá Laet Cavalcanti “Mundico Laet”: de uma história de amor nascia Sertânia…
AS ORIGENS DE ALAGOA DE BAIXO
Tocou ao casal a região da lagoa de baixo – em contraposição a outras duas que existiam acima –, um alagado às margens do intermitente Moxotó, posteriormente desaparecido, soterrado após as periódicas enchentes do rio. Antão e Catarina preferiram fixar-se a uns 300m ao sul da lagoa, em uma elevação a 58m do nível do rio, onde ergueram sua morada e iniciaram a sua fazenda de criação: a Fazenda Alagoa de Baixo.
Devoto de Nossa Senhora da Conceição, em 1810, Antão procedeu à doação de uma légua quadrada de terras para patrimônio de uma capela rústica, que fez erguer vizinha à sua residência, entre 1810 e 1830, em estilo colonial, com uma única torre sineira. Em seu entorno, e a reboque de uma feira de gado, foi surgindo a povoação, ao longo da “Rua Velha”.
Pouco a pouco, à família dos fundadores, foram se agregando outras, vindas de lugares os mais diversos, que continuaram florescendo o lugar a ponto de, em 1842, ele já fazer jus ao predicamento de freguesia, criada pela Lei Provincial nº. 93, de 04 de maio. Na ocasião, porém, instalou-se acirrada disputa com a vizinha Jeritacó, que, alegando precedência, conseguiria a transferência da sede da circunscrição eclesiástica para a Matriz de Santa Ana, em 1858.
Em 1865, porém, a paróquia seria devolvida a Alagoa de Baixo pela Lei Provincial nº. 639, de 03 de junho, haja vista o desenvolvimento da povoação, que então já se firmava como importante entreposto comercial na região. Com efeito, nessa época, afluíam para sua feira dezenas de pessoas do Pajeú, da Ingazeira e de Pesqueira, havendo relativa facilidade de comunicação com estas e com as vilas de Flores e Cimbres.
Consta que o casal Antão e Catarina faleceria sem deixar descendência. Já a primitiva capela seria posteriormente reconstruída, em 1922, em estilo eclético, pelo padre Leão Verseri, dando lugar à atual Matriz da Conceição.
DESENVOLVIMENTO E EMANCIPAÇÃO POLÍTICA
Em consequência do desenvolvimento local, a Lei Provincial nº. 1.093, de 24 de maio de 1873, elevou a povoação de Alagoa de Baixo à categoria de vila – o que, nos termos da Constituição do Império, significava emancipá-la. O território do novo município foi desmembrado do de Cimbres (atual Pesqueira), e sua instalação efetuou-se em 29 de abril de 1878, passando a servir de Câmara justamente a antiga residência dos fundadores – onde hoje está a Acordes – Associação Cultural de Sertânia. Em 1881, o município já figurava como termo da comarca de Pesqueira.
A primeira eleição municipal foi realizada no dia 30 de junho de 1882, quando foram escolhidos o juiz de paz e os vereadores. Anos mais tarde, por ato do governador do Estado, a 10 de junho de 1890, Alagoa de Baixo seria separada da comarca de Pesqueira, sendo classificada como de 1ª entrância e provida, no mesmo ano, pelo Decreto Estadual nº. 578, do dia 18 do mesmo mês. Seu primeiro juiz de Direito foi o Dr. Álvaro Barbalho de Uchôa Cavalcanti.
Em 1903, porém, a comarca acabaria supressa, passando a constituir termo judiciário da de Afogados da Ingazeira; termo, por sua vez, reintegrado a Pesqueira em 23 de maio de 1906. Restabelecida em 06 de junho de 1914, sofreria novo golpe em 1920, tornando a ser restaurada em 1922.
Sob o regime republicano, Alagoa de Baixo se constituiu município autônomo em virtude do artigo 87 da Constituição Estadual de 1891 e lei subsequente, ocasião em que houve a primeira eleição para prefeito, subprefeito e conselheiros municipais. A vitória coube ao coronel Manuel Inácio da Silva Azevedo, do Partido Conservador. À Lei Estadual nº. 991, de 1º de julho de 1909, deve, por sua vez, a derradeira elevação da sede municipal, ainda com a categoria de vila, à de cidade.
Pela divisão administrativa de 1911, compunha-se o município de dois distritos: Alagoa de Baixo, sede; e Custódia – hoje município. Em conformidade com o quadro de divisão territorial de 31 de dezembro de 1937, bem como com o anexo ao Decreto-Lei Estadual nº. 92, de 31 de março de 1938, passou a estruturar-se em quatro distritos: o da cidade de Alagoa de Baixo, sede e 1º distrito; e os das vilas de Algodões, 2º distrito; Henrique Dias, primitivamente Tigre e depois Siqueira Campos, 3º distrito; e Rio da Barra, 4º distrito. Essa organização se mantém até hoje, com o acréscimo da vila de Albuquerque Né, 5º distrito, instituída pela Lei Municipal nº. 1.333, de 14 de fevereiro de 1953.
Contam-se ainda, no atual município, os seguintes povoados: Pernambuquinho, no 1º distrito; Cruzeiro do Nordeste, Moderna e Umburanas, no 2º distrito; Maniçoba no 3º distrito e Caroalina, Várzea Velha e Waldemar Siqueira no 4º distrito.
DE ALAGOA DE BAIXO A SERTÂNIA
Antes da chegada do trem, em 1933, Alagoa de Baixo não ultrapassava muito os limites da Rua Velha, depois 15 de Novembro e atual Amaro Lafayette. Ia “da igreja à escola”, nas palavras de Ulysses Lins; contando, no raiar do século, cerca de 90 casas e 500 habitantes. Após a ligação férrea, a cidade se expandiu rapidamente para aquela fronteira. Na região do antigo cemitério, foi construída a Praça Martins Júnior, depois rebatizada de João Pereira Vale, novo centro de convergência do núcleo urbano.
Quanto à nova designação, desde os tempos do Império que se cogitava substituir a de Alagoa de Baixo por outra. Chegou-se, inclusive, a aventar a possibilidade de prestar homenagem à imperatriz Leopoldina ou ao ex-governador Manoel Borba, tomando-lhes os nomes por empréstimo. Inclusive, uma solicitação oficial foi feita ao interventor federal neste último caso, mas, após consulta ao Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP), preferiu-se manter o nome primitivo.
Em 1943, no contexto da revisão toponímica então em curso, sugeriu-se o nome de “Sertanópolis”, que também não foi bem recebido, por já existir uma cidade no Paraná assim denominada. Foi então que Ulysses Lins, já um intelectual consagrado, sugeriu o nome “Sertânia” para sua terra natal, que significa “cidade sertaneja”, e a proposta acabou sendo aceita pelo Conselho Nacional de Geografia.
Outras informações