Pernambuco atravessa um surto de sarampo. O curioso disto é que o território brasileiro possui uma certificação internacional que o classifica como país livre da doença, emitida em 2012 pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Naquele ano, houve apenas um caso confirmado de sarampo no Estado. Em 2013, contudo, foram registradas 689 notificações suspeitas da doença, das quais 138 oficialmente confirmadas, além da morte de um bebê de sete meses no município de Moreno, na Região Metropolitana do Recife (RMR). Hoje, ainda há 230 ocorrências em investigação e as demais foram descartadas.
Para receber a certificação da Opas, o então ministro da Saúde, José Gomes Temporão, deu entrada no pedido em 2010. Para garantir o documento, o Governo Federal conseguiu provar que a cobertura vacinal atingiu o patamar de 95% da população, além de comprovar que a última transmissão da doença dentro do território brasileiro havia acontecido dez anos antes, em 2000. O sarampo é uma doença infecciosa aguda, viral, extremamente contagiosa e muito comum na infância. A transmissão ocorre diretamente, de pessoa a pessoa, geralmente por tosse e espirros.
Em meio ao atual surto do sarampo em Pernambuco, a suposta eliminação da doença no Brasil parece brincadeira de mau gosto. Mais da metade dos casos está concentrada na RMR e zonas da Mata, mas também houve registros em Caruaru (Agreste) e uma suspeita em Ouricuri (Sertão). De acordo com a diretora de Controle de Doenças do Estado, Rosilene Hans, entre os municípios mais críticos estão Recife, Cabo de Santo Agostinho e Goiana.
Sobre o assunto, o Governo Federal se posiciona por meio de nota oficial: “para garantir a interrupção da transmissão [do vírus], o Ministério da Saúde enviou cerca de 900 mil doses da vacina tríplice viral entre julho e novembro de 2013 para Pernambuco. Também no mês de novembro, o Ministério da Saúde apoiou a Secretaria Estadual de Saúde para que fosse realizada uma campanha de vacinação para crianças menores de cinco anos, em 16 municípios prioritários do estado”, diz trecho da nota.
Com uma experiência de mais de dez anos na área de epidemiologia, a enfermeira sanitarista Rosilene Hans alerta ainda que, mesmo o público mais vulnerável sendo formado por crianças com idades entre seis meses e menores de cinco anos, adultos também correm em risco de contaminação por sarampo.
As autoridades da área de saúde alegam que os casos no Brasil são “importados” de outros países, em especial os europeus, como a França, onde a doença não foi controlada. Segundo a SES, os casos de sarampo no Estado se intensificaram após o Carnaval, quando muitos turistas vieram participar das tradicionais festas momescas. Em ano de Copa do Mundo, a alegação de que os turistas podem “trazer” o sarampo se torna ainda mais preocupante.
Rosilene Hans alerta que “os casos recomeçaram em abril e o tipo de vírus identificado é o D8, muito comum na Europa, Ásia e Canadá. As primeiras pessoas diagnosticadas com a doença tiveram contato com indivíduos que viajam para essas regiões de risco”.
Apesar da justificativa para o ressurgimento do sarampo, a dona de casa Gabriela Hangelita da Silva, 20 anos, não sabe como o filho de um ano e cinco meses pode ter contraído a doença. Nirlan Gabriel teve febre num domingo e a família acreditava se tratar de uma reação natural do corpo para o nascimento dos dentinhos. No entanto, na segunda-feira, o menino apresentou pintinhas vermelhas pelo corpo, principalmente no rosto, além de coriza, conjuntivite e tosse. A mãe do garoto decidiu levá-lo à Unidade de Saúde mais próxima de onde moram, no bairro de Maranguape II, em Paulista. No local, a pediatra confirmou que Nirlan apresentava todos os sinais que apontavam para o sarampo.
“Meu filho tomou as duas doses da vacina (tríplice viral) e não teve contato com ninguém doente. Não viajamos, nem tivemos contato com ninguém que tenha saído do País. Não sei como ele pegou (sarampo)”, relata Gabriela Hangelita. O caso ainda não consta como confirmado nos registros do município ou do Estado. Porém, como forma de proteção, a Secretaria de Saúde da cidade vacinou todas as pessoas que têm, ou tiveram, contato com o pequeno Nirlan. A ação incluiu os familiares da criança e todos os moradores da rua onde a família reside.
A infectologista pernambucana Vera Magalhães é taxativa quando o assunto é sarampo. “Na verdade, já existem alguns casos de sarampo, inclusive em outros estados há algum tempo, mas só agora que está sendo configurado que ele voltou, porque havia sido considerado erradicado”, avalia a especialista em Medicina Tropical. A médica ainda confirma que a suposta extinção da doença no Brasil pode ter feito a população ter ficado desleixada em relação ao sarampo. “Acredito, sim, que a falta de registro pode ter feito as pessoas acharem que estavam totalmente protegidas. Aí deixa de vacinar e quando a doença volta, vem com tudo, né?”, comenta a infectologista.
Segundo a médica, há cerca de 30 anos, o sarampo era um problema seríssimo, sendo uma das principais causas de óbito entre as crianças com menos de um ano. “A volta dessa doença é retroceder 30 anos na nossa evolução. O alerta é importante porque, em casos de complicações, a vítima pode ficar cega e até morrer”, reforça a especialista.
ATENÇÃO
Entre os principais sinais que alertam para a infecção do vírus do sarampo estão: coriza, mal estar geral, febre alta, infecções de garganta e no nariz, conjuntivite, tosse com catarro e pontos brancos rodeados de uma zona vermelha na face. Em caso de piora dos sintomas surgem erupções cutâneas por todo corpo, secreções aumentadas nas vias respiratórias superiores, voz rouca, além de faringe e boca inflamadas.
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