Em meio à instabilidade e à divisão do Congresso em relação ao governo Michel Temer, um tema une a classe política: a necessidade de uma reforma nas regras para as próximas eleições, principalmente, as de 2018.
Para valerem já no ano que vem, as novas regras previstas para o pleito precisam ser aprovadas até 7 de outubro, ou seja, 12 meses antes das eleições do próximo ano.
Diante do prazo exíguo, três comissões da Câmara têm reuniões agendadas para esta semana com o objetivo de dar andamento às propostas. Entre os projetos, está o que cria um fundo de cerca de R$ 3,6 bilhões com recursos públicos para o financiamento de campanhas.
Nesta terça-feira (8), a comissão especial criada na Câmara para elaborar propostas de mudanças no sistema político e eleitoral deve votar parecer do deputado Vicente Cândido (PT-SP) sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que, entre outros pontos, prevê:
Possibilidade de revogação popular de mandatos eletivos;
Extinção da figura dos vice-presidente, vice-governadores e vice-prefeitos;
Redução da idade mínima para candidatos a governador de 30 para 29 anos;
Criação do Fundo Especial de Financiamento da Democracia (FFD) com recursos públicos;
Eleição direta para as funções de presidente, governador e prefeito no caso de vacância nos três primeiros anos do mandato;
Sistema eleitoral distrital misto para as eleições de 2022.
Há uma grande preocupação entre os parlamentares com uma eventual falta de recursos para financiamento de campanhas caso novas formas de arrecadação não sejam aprovadas.
Com a proibição do financiamento empresarial de campanhas, determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2015, há uma expectativa de diminuição de receitas, que na avaliação de vários partidos pode inviabilizar as campanhas.
Saiba abaixo os assuntos em discussão:
Financiamento público de campanhas
Entre as propostas em análise, está a que institui o Fundo Especial de Financiamento da Democracia que será mantido com recursos públicos, previstos no orçamento.
Para 2018, o valor do fundo será de 0,5% da Receita Corrente Líquida no período de junho 2016 a junho de 2017, o que corresponde a cerca de R$ 3,6 bilhões.
Pela proposta, o valor será distribuído seguindo uma lógica de funções e partidos:
Do total, 50% será destinado para as campanhas de cargos majoritários: presidente, governador e senador;
30% para as campanhas de deputado federal;
20% para as campanhas de deputado estadual e distrital;
Depois, a divisão seria feita entre os partidos:
2% distribuídos igualitariamente entre todos os partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral;
49% divididos pela proporção de votos que cada partido recebeu nas eleições de 2014 para a Câmara dos Deputados;
14% proporcionalmente ao número dos senadores titulares de cada partido no Senado;
35% proporcionalmente ao número dos deputados titulares de cada partido na Câmara;
O tamanho das bancadas será aferido no dia 10 de agosto de 2017.
Segundo a proposta, cabe aos partidos a distribuição dos recursos entre diretórios e candidatos do país. O projeto estabelece ainda que nenhuma campanha poderá receber de recursos públicos mais de 70% do teto de gastos para a respectiva função.
Pelo texto, será exigida a apresentação de um plano de aplicação dos recursos como forma de transparência.
Para as eleições de 2022, o percentual do fundo será reduzido à 0,25% da Receita Corrente Líquida, uma vez que se espera a aprovação de um modelo eleitoral mais barato do que o que valerá em 2018.
Teto de gastos
Para 2018, o teto de gastos de campanha será definido por cargo, levando em consideração o tamanho da população do estado.
Nos estados com população menor que um milhão de habitantes, por exemplo, o teto será de R$ 4 milhões para candidatos a governador e de R$ 1,5 milhão para candidatos a uma vaga no Senado.
Os valores vão subindo gradativamente, até chegar a estados com população maior que 20 milhões de habitantes, que terão limite de R$ 30 milhões para governador e de R$ 8 milhões para senador.
O limite de gastos nas campanhas dos candidatos a deputado federal em 2018 será de R$ 2,2 milhões. Nas campanhas de deputado estadual e distrital, será de R$ 1,7 milhão.
Financiamento privado
Apesar do desejo de alguns deputados, a proposta não mexe na proibição de financiamento de empresas para campanhas políticas.
O texto, no entanto, prevê novas regras para o financiamento privado de pessoas físicas.
Para 2018, cada pessoa física poderá doar, para cada função, até 10 salários mínimos ou até 10% da receita bruta declarada no exercício financeiro do ano anterior. Entre essas duas possibilidades, prevalecerá a que tiver o menor valor.
Candidatos a deputado federal e estadual poderão doar para as próprias campanhas até o limite de 7% do teto de gastos para cada cargo.
As doações de até três salários mínimos não poderão ser divulgadas publicamente, segundo a proposta. Somente terão conhecimento os órgãos de controle – Receita Federal e Tribunal Superior Eleitoral – e os próprios partidos políticos.
O objetivo do sigilo é evitar eventuais perseguições políticas a doadores.
Nas eleições posteriores a 2018, cada pessoa física poderá doar até 10 salários mínimos ou até 10% da receita bruta declarada no exercício financeiro do ano anterior (o que for menor), somadas todas as doações.
Além disso, cada candidato poderá doar para a sua campanha os mesmos limites aplicados às pessoas físicas.
Financiamento pela internet
A proposta prevê três modalidades de financiamento pela internet:
A primeira, já permitida atualmente, é a arrecadação pelo site do candidato.
Na segunda, haverá a possibilidade de criação de uma plataforma de arrecadação no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Também será permitido o uso de mecanismos de crowdfunding, conhecidos como “vaquinhas virtuais”. Nesse caso, haverá autorização para arrecadação prévia, desde que o dinheiro não seja gasto antes do período de campanha.
Cláusula de barreira
A proposta cria uma cláusula de desempenho eleitoral. Haverá restrição do funcionamento parlamentar, do acesso ao fundo partidário e do acesso gratuito ao rádio para partidos que não atingirem o quociente mínimo de votos.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada no Senado no fim de 2016 estabelece essas restrições às legendas que não alcançarem pelo menos 3% dos votos válidos nas eleições para a Câmara, distribuídos em pelo menos 14 estados, com um mínimo de 2% dos votos em cada um.
Na Câmara, a relatora Shéridan (PSDB-RR) vai propor uma regra de transição da seguinte maneira: começará com um patamar mínimo de 1,5% dos votos em 2018, subindo 0,5% a cada eleição, até alcançar 3% somente em 2030. O número exigido de estados será reduzido de 14 para 9.
Pelo texto, a legenda que não atingir a cláusula de desempenho poderá se unir a uma federação partidária, sem perder os benefícios.
A PEC também acaba com coligações para eleições proporcionais (deputados e vereadores) a partir de 2020. Atualmente, a legislação permite alianças entre os partidos. Por esse sistema, os votos obtidos pelas siglas são somados, e se elegem os candidatos mais votados da coligação.
Relator da reforma política quer proibir prisão de candidatos até 8 meses antes da eleição
‘Emenda Lula’
O relatório estabelece que todas as pessoas interessadas em se candidatar deverão fazer uma habilitação prévia no mês de fevereiro do ano da eleição.
O objetivo é evitar os casos em que análises da Justiça Eleitoral sobre candidatos acabam sendo feitas depois da eleição.
O relator Vicente Cândido chegou a incluir no parecer um dispositivo para proibir a prisão de candidatos, exceto em flagrante, até oito meses antes das eleições.
Esse trecho, que ficou conhecido como “emenda Lula”, deverá ser retirado do projeto.
Propaganda
O prazo total para a campanha eleitoral e para o tempo de propaganda dos candidatos passará de 45 para 60 dias.
Será aberta a possibilidade de propaganda paga na internet, até o limite de 5% do teto de gastos para a função em disputa. Haverá ainda permissão de propaganda eleitoral via telemarketing, no intervalo de 9h a 20h.
Pesquisas eleitorais
Será proibida a divulgação de pesquisas eleitorais na semana anterior à eleição. Hoje, só há restrição no dia da votação, quando as pesquisas de boca de urna só podem ser divulgadas após o término da votação.
Haverá a possibilidade de impugnação do registro de pesquisa (para divulgação) em caso de falha nas informações prestadas e na metodologia.
Sistema eleitoral em 2018
Pela proposta elaborada pelo deputado Vicente Cândido, o sistema eleitoral será mantido em 2018, no modelo proporcional com lista aberta.
Nele, é possível votar tanto no candidato quanto na legenda, e um quociente eleitoral é formado, definindo quais partidos ou coligações têm direito de ocupar as vagas em disputa. Com base nessa conta, o mais bem colocado de cada partido entra.
A alteração proposta diz respeito a uma limitação no número de candidatos. A depender do número de vagas a serem preenchidas, cada partido terá um limite específico de candidatos que poderá lançar.
Sistema eleitoral pós-2018
O projeto prevê que, a nas eleições de 2022, seja adotado o chamado sistema misto, uma mescla dos sistemas proporcional e majoritário.
Para a Câmara dos Deputados, por exemplo, o total de vagas para cada estado será dividido por dois. Metade será preenchida pelos candidatos mais votados em cada distrito (microrregião) do estado. A outra metade será preenchida proporcionalmente pelas listas fechadas ordenadas por cada legenda.
Para a escolha de deputados federais, o eleitor votará duas vezes. Uma para candidatos no distrito e outra para as listas fechadas dos partidos.
Especialistas dizem que esse modelo reduz os custos de campanha, pois o partido faz campanha para as listas, e não individualmente para cada candidato.
Além disso, os candidatos para as vagas do distrito concentram as campanhas nas microrregiões, o que evita gastos com deslocamentos por todo o estado.
Plebiscito
No plebiscito, a população expressa posição favorável ou contrária à elaboração ou execução de um ato normativo ou de gestão relacionado ao assunto em questão. Já no referendo, a sociedade dá opinião favorável ou contrária a um ato já elaborado e aprovado.
De acordo com o texto, a realização de plebiscito sobre questões de interesse nacional dependerá de aprovação do Congresso, por meio de projeto de decreto legislativo, assim como funciona atualmente. Mas os requisitos de apresentação serão facilitados.
Esse projeto de decreto legislativo poderá ser apresentado por um deputado ou senador, com a assinatura de ao menos um décimo dos membros da Casa (51 deputados ou 8 senadores).
Hoje, essa convocação só pode ser analisada pelo Congresso se houver a assinatura de no mínimo um terço dos deputados (171) ou um terço dos senadores (27).
Pelo projeto, a chamada da consulta popular também poderá resultar de solicitação do presidente da República ou de petição popular. Nesses casos, o Congresso precisará transformar os pedidos em projeto de decreto legislativo, que exigirá também um terço de votos.
Os referendos poderão ser convocados para avaliar emendas à Constituição, leis e outras normas. O resultado será sempre aferido por maioria simples dos votos. Se, na consulta, uma lei em vigor for rejeitada, deverá ser revogada.
O texto estabelece que as consultas poderão ser feitas no mesmo dia das eleições.
Iniciativa popular
O relatório mantém o número mínimo de assinaturas para que seja apresentado um projeto de lei de iniciativa popular, mas facilita a coleta e a conferência, por meio de plataformas digitais.
Para a apresentação, fica exigida subscrição de no mínimo 1% do eleitorado nacional, distribuído por pelo menos cinco estados e não menos de 0,3% dos eleitores de cada um deles (em 2016, o Brasil tinha 144,1 milhões de eleitores). Haverá um prazo máximo de dois anos para que as assinaturas sejam recolhidas.
A coleta de assinaturas por meio eletrônico deverá atender requisitos estabelecidos pela Câmara, com critérios de segurança e de transparência. A plataforma tecnológica será disponibilizada gratuitamente pelo Congresso.
Servidores públicos
Hoje, a lei define prazos distintos para que pessoas interessadas em se candidatar a cargos públicos deixem seus postos ou funções para concorrer nas eleições. Esse prazo, dependendo do cargo, pode variar de três a seis meses.
Pelo projeto da Câmara, será feita uma uniformização dos prazos de desincompatibilização, passando todos para seis meses antes da eleição.
A proposta também define que será exigida comprovação dos atos de campanha eleitoral feitos por candidatos que forem servidores públicos, com a finalidade de evitar “situações como as de servidores que se candidatam apenas para gozar de licença remunerada.
Atualmente, a lei determina que servidores públicos licenciados para se candidatarem nas eleições continuarão recebendo salário durante a campanha.
Ao ser aprovado pela comissão, foi retirada do texto a exigência de que líderes religiosos se afastem de suas atividades para disputar as eleições.
Outras propostas
Possibilidade de revogação popular de mandatos majoritários (presidente, governador e senador);
Extinção da figura dos vice-presidente, vice-governadores e vice-prefeitos;
Redução da idade mínima para candidatos a governador de 30 para 29 anos;
Eleição direta para as funções de presidente, governador e prefeito no caso de vacância nos três primeiros anos do mandato.
Gilmar Mendes diz que Congresso agora poderá dar atenção à reforma política
Governo
O Palácio do Planalto participa das articulações da reforma política, defendida publicamente pelo presidente Michel Temer.
Nos bastidores, de acordo com apuração do G1, a área política do governo considera viável aprovar para 2018 apenas o fundo eleitoral e, talvez, cláusula de barreira e fim das coligações nas proporcionais.
Na quinta-feira (3), em entrevista à rádio Band News, Temer voltou a citar o parlamentarismo como alternativa para a reforma política. “Poderíamos pensar em parlamentarismo para 2018. Não seria despropositado”, disse.
Um dos principais interlocutores junto ao governo é o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, que atualmente preside o Tribunal Superior Eleitoral.
No domingo (6), como informou a colunista do G1 Andréia Sadi, ele se encontrou com Temer no Palácio do Jaburu.
A pauta do encontro, de acordo com Gilmar, foi reforma política. O mesmo assunto foi tratado em uma reunião com o ministro Moreira Franco (Secretaria-Geral) na última semana.
“A situação é mais complicada do que a mera definição de uma modelagem de financiamento ou de regras eleitorais, o sistema dá sinais de fragilidade, vivemos uma anomia”, disse Moreira em entrevista ao G1.
Questionado sobre quais mudanças podem ser aprovadas pelo Congresso, o ministro evitou citar as alterações que terão a bênção do Palácio do Planalto.
Ele afirmou que sua intenção é intensificar as conversas com parlamentares, juristas e cientistas políticos para encontrar caminhos para a reforma.
Segundo Moreira, parte das mudanças na legislação podem ser aprovadas pensando em 2018 e outra parte nas eleições seguintes. “Deve-se melhorar a relação entre representante e representado no Brasil, a gente precisa garantir estabilidade”, destacou.