O arcebispo de Olinda e Recife, dom Fernando Saburido, divulgou um texto, nessa terça-feira (2), no qual define como “incoerente” a decisão do presidente Michel Temer de nomear dom Helder Camara patrono dos direitos humanos do Brasil. Não por falta de merecimento do Dom da Paz, como dom Helder ficou conhecido, mas, segundo dom Fernando, porque o Governo Temer não tem legitimidade para conceder o título. De acordo com ele, os brasileiros que amam a justiça concordam que dom Helder é o patrono nacional da luta pelas minorias fragilizadas.
No entanto, “o que significa essa medida vir de um governo que esvaziou a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e comprometeu todo o trabalho que vinha sendo feito na luta contra todo tipo de discriminação?”, questionou dom Fernando. “Será que nomear dom Helder patrono fará o governo voltar atrás da decisão de reduzir os gastos públicos em saúde e educação, deixando os milhões de pobres abandonados à própria sorte?”, diz ele no texto.
Na opinião de dom Fernando, não há como pensar em direitos humanos e relaxar as regras do controle ao trabalho escravo, assim como sujeitar os trabalhadores a regras que lhes são contrárias e que retiram direitos adquiridos na Constituição de 1988. “E o que dizer da reforma da Previdência Social pela qual esse mesmo governo pressiona de formas ilícitas para vê-la aprovada?”, ressaltou.
Apoio
O texto de dom Fernando recebeu apoio de pessoas ligadas a dom Helder e que militam há anos na área de direitos humanos, como Luis Tenderini, fundador da Associação Trapeiros de Emaús, projeto social que completará 22 anos no Recife, em agosto deste ano, e teve como principal incentivador dom Helder. “Esse título deve ser recusado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Vem de um governo que nos últimos dois anos só fez desrespeitar os direitos fundamentais de forma violenta, indo contra tudo que dom Helder viveu, pregou e praticou. A carta de dom Fernando representa o pensamento de milhares de cristãos brasileiros”, enfatizou Tenderini.
Elizabeth Barbosa, do conselho curador do Instituto Dom Helder Camara (IDHeC), no Centro do Recife, disse que a carta de dom Fernando “foi algo extraordinário e que trouxe alegria aos grupos eclesiais, porque esse governo só retirou direitos”. Sobre a sanção do presidente Temer, ela informou que o IDHeC vai se pronunciar esta semana por meio de um texto a ser construído pela diretoria.
Projeto
O título foi sugestão do deputado Arnaldo Jordy do (PPS/PA), por meio do projeto de lei nº 7230/2014. Na justificativa da proposta, o parlamentar argumentou que “trata-se de uma homenagem a um dos fundadores da (CNBB) e grande defensor dos direitos humanos no regime militar brasileiro”. “Mais que uma liderança religiosa, dom Helder era referência na luta pela paz e pela justiça social”, diz o projeto.
Por meio da assessoria de imprensa, o Governo afirmou que “a sanção da lei pelo presidente Temer, após aprovação na Câmara e no Senado, é uma merecida homenagem à biografia de dom Helder Camara”. Sobre o artigo de dom Fernando, o Governo não quis se pronunciar.
Dom Helder Camara é arcebispo emérito de Olinda e Recife. De origem cearense, ele nasceu em 1909, em Fortaleza, e foi ordenado padre em 1931. Aos 43 anos, tornou-se bispo auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro e em 1964, arcebispo de Olinda e Recife, até 1985. O Dom da Paz morreu no dia 27 de agosto de 1999, no Recife.
Leia a íntegra da carta de dom Fernando
Queridos irmãos e irmãs de nossa arquidiocese,
Todos nós fomos surpreendidos pela Lei n. 13581, de 26 de dezembro de 2017, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República Michel Temer. Declara Dom Helder Camara patrono brasileiro dos direitos humanos.
Todos os brasileiros conscientes e que amam a justiça e o direito concordam que Dom Helder é nosso patrono em toda a luta pacífica pela justiça, pela paz e pelos direitos humanos, tanto individuais, como coletivos das minorias fragilizadas pela sociedade dominante. No entanto, nos surpreendemos pela ambiguidade desse decreto, sentimento já expresso por amigos de Dom Helder, inclusive, Marcelo Barros que escreveu uma profética carta dirigida ao Dom da Paz. O texto dessa lei é sucinto e não explicita motivações, nem consequências. No entanto, nenhum ato dessa natureza é neutro ou sem repercussões.
Em seu tempo, o profeta Jeremias adverte os governantes do seu povo: “Sem responsabilidade, querem curar as feridas do meu povo dizendo apenas Paz, Paz, quando paz verdadeira não existe. Deveriam envergonhar-se, pois o que fizeram foi horrível, mas não se acanham, mesmo eles não sabem o que é ter vergonha” (Jer 8, 11- 12).
É nossa responsabilidade de cidadãos e de cristãos dar peso às palavras e exigir dos poderes públicos coerência em seus posicionamentos. Se a Política que deveria ser um exercício nobre do serviço ao bem comum está tão desacreditada é porque os políticos não primam pela coerência entre o seu falar e o seu agir.
O que significa essa medida vir de um governo que justamente esvaziou a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e comprometeu todo o trabalho que vinha sendo feito na luta contra todo tipo de discriminações? Será que nomear Dom Helder patrono brasileiro dos Direitos Humanos fará o governo voltar atrás da decisão de reduzir substancialmente os gastos públicos em saúde e educação, deixando os milhões de pobres abandonados à própria sorte? Como pensar em Direitos Humanos e relaxar as regras do controle ao trabalho escravo, assim como sujeitar os trabalhadores a regras que lhes são contrárias e que retiram direitos adquiridos na Constituição de 1988? E o que dizer da reforma da Previdência Social pela qual esse mesmo governo pressiona de formas ilícitas para vê-la aprovada?
Como arcebispo de Olinda e Recife, ministério que foi ocupado por Dom Helder Camara, sinto-me, em consciência, obrigado a declarar publicamente que esse decreto presidencial, para ser sincero e coerente, precisa ser acompanhado por outro modo de governar o país e de cuidar do que é público, principalmente do bem maior que é o povo, sobretudo os mais fragilizados.
Em nome de Deus, fonte de Amor e de Vida, conclamo os cristãos e todo o povo brasileiro a prosseguirmos a luta pacífica pela justiça e pela paz. Assim, como fez Dom Helder Camara, trabalharemos pelos Direitos Humanos a partir da defesa dos direitos dos pobres, dos trabalhadores, das minorias excluídas e de todo ser vivo.
O Espírito de Jesus que nasceu como pobre nos acompanhe e nos fortaleça nesse caminho,
Dom Antônio Fernando Saburido
Arcebispo de Olinda e Recife