Por Letícia Lins*
Muitas vezes nós, que moramos em áreas urbanas, nem sabemos o significado da palavra “manipueira”. Mas os que vivem em áreas rurais, principalmente naquelas produtoras de mandioca conhecem muito bem o líquido amarelado e poluente que vem a ser o resíduo tóxico gerado na produção da farinha. E que contem, “somente”, ácido cianídrico, que contamina o ecossistema, podendo provocar problemas de saúde nas pessoas, como tontura, falta de ar e dores de cabeça. Sintomas, aliás, comuns em quem convive com a mandioca, incluindo quilombolas. Pois foi com a preocupação de solucionar problemas enfrentados nas casas de farinha do Quilombo do Caroá, em Carnaíba, no Sertão do Pajeú, que um grupo de estudantes da Escola Técnica Estadual (ETE) Professor Paulo Freire desenvolveu o Filtropinha, um filtro absorvente à base de cascas de pinha que é capaz de reduzir a carga poluente da “manipueira”.
O Filtropinha é um dos 10 projetos finalistas do prêmio Solve For Tomorrow Brasil 2024, da Samsung. A iniciativa incentiva a produção científica e tecnológica de estudantes de escolas públicas na construção de soluções inovadoras para problemas locais e globais. O projeto é o único finalista de Pernambuco. Os vencedores serão anunciados no dia 3 de dezembro. O projeto também foi apresentado na programação do Rec’n’play, no Recife, na mesa “Conexões Empreendedoras: um bate-papo das Startups com a Governadora Raquel Lyra”.
“Os problemas de saúde devido à manipueira foram identificados por algumas alunas que são da comunidade. Em muitos casos, o pessoal das casas de farinha trabalha sem nenhum equipamento de proteção e não conhece os riscos da manipueira, pois nunca foi ensinado que esse material polui e prejudica o meio ambiente”, explica o professor Gustavo Bezerra, orientador do projeto. A partir daí, os estudantes desenvolveram um protótipo que visa reduzir o descarte indevido da manipueira e a poluição tóxica que ela causa, promovendo a sustentabilidade e a reutilização da água usada na lavagem da mandioca durante o processo de fabricação da farinha.
De acordo com as pesquisas realizadas pela equipe, as farinheiras chegam a gastar de 15 a 20 mil litros de água por produção. “Visitamos a comunidade quilombola, falamos da problemática do mau descarte da manipueira e apresentamos o nosso filtro como uma possibilidade. Os moradores do Quilombo do Caroá demonstraram muita curiosidade e interesse em aplicar o projeto no dia a dia. Afirma a estudante Luana Noêmia, que trabalhou no projeto:
O filtro pode ser uma alternativa excelente para promover uma produção sustentável e uma melhoria de qualidade de vida nessas comunidades que têm casas de farinha. Fico muito feliz, principalmente porque o projeto abrangeu uma comunidade que não tem uma visibilidade muito grande na sociedade, nem suporte governamental. Eu, por exemplo, nunca tinha ido a uma casa de farinha e não sabia o que era a manipueira. Agora, assim como eu, outras pessoas vão ter noção do tema”.
Além de Luana, complementam a equipe os estudantes Eduardo da Silva, Beatriz Vitória e Angela Rafaela. O filtro é um modelo construído a partir de uma impressora 3D, que conta com camadas de algodão, papel filtro, farinha de cascas de pinha e carvão ativado, produzido a partir da queima dessas cascas, cujas propriedades porosas ajudam a filtrar a manipueira. O protótipo ainda conta com uma rosca pensada para facilitar a sua implementação nas caixas d’água onde fica armazenada a manipueira nas casas de farinha. Os estudantes testaram em campo o impacto do equipamento. Com a manipueira tratada pelo Filtropinha, a taxa de germinação de sementes no campo é de 80%, enquanto cai para 20% quando se utiliza o líquido em seu estado natural. “No solo contaminado pelo descarte incorreto da manipueira, não tem como germinar nada, mas a manipueira tratada pode ser reutilizada para lavar as raízes da mandioca e fazer com que o solo não se contamine também”, explica a aluna Beatriz Vitória, que é moradora do Quilombo do Caroá.
A ETE Professor Paulo Freire é um grande celeiro de projetos científicos, que vão de fralda biodegradável a luva que estabiliza tremores em pessoas com Parkinson. Além do Filtropinha, outros projetos nascidos na escola estão circulando por feiras científicas e premiações. É o caso do Cajusol, projeto de placas solares que utilizam o líquido da casca da castanha de caju (LCC) para produzir energia renovável. Com a iniciativa, as realizadoras participam do programa Power4Girls, da embaixada dos Estados Unidos, sendo as únicas representantes de Pernambuco na disputa.
Carnaíba fica a 400 quilômetros do Recife e é conhecida pelo seu bom desempenho na educação. A cidade inclusive já teve um prefeito analfabeto, Antônio Ramos da Silva, o Pezão. Ele passava o dia na Prefeitura e, à noite, ia para a escola. Na Prefeitura, destinava 37 por cento da receita municipal à educação, quando a Constituição determinava 25 por cento. Ficou famoso.
*Jornalista do Oxe Recife